Envelhecimento Populacional e a Saúde da Pessoa Idosa no Brasil
desafios e perspectivas para a atenção primária à saúde
Débora Prestes da Silva Melo[1]
Universidade Federal de Santa Catarina
Daniela Alba Nickel[2]
Universidade Federal de Santa Catarina
danielanspb@gmail.com
Demilto Yamaguchi da Pureza[3]
Universidade Federal do Amapá
demilto.pureza@unifap.br
______________________________
Resumo
O envelhecimento populacional é um fenômeno global decorrente da redução das taxas de fecundidade e mortalidade e da melhoria das condições de vida, com impactos diretos nas políticas públicas de saúde. No Brasil, o processo ocorre de forma acelerada, exigindo reorganização dos sistemas de proteção social e fortalecimento da Atenção Primária à Saúde (APS). Este estudo analisa determinantes biológicos, socioeconômicos e culturais do envelhecimento, com ênfase no aumento da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis, que ampliam a demanda por cuidados contínuos. Aborda-se ainda o impacto das desigualdades regionais na organização dos serviços, especialmente em regiões com menor infraestrutura. São comparados modelos nacionais e internacionais de atenção à pessoa idosa, destacando experiências de países com redes consolidadas e políticas intersetoriais integradas. Os achados reforçam a necessidade de ampliar a cobertura e resolutividade da APS, implementar avaliação multidimensional, valorizar cuidadores formais e expandir serviços domiciliares e de longa permanência, assegurando envelhecimento saudável, com equidade e dignidade.
Palavras-chave: envelhecimento populacional; saúde da pessoa idosa; atenção primária; políticas públicas; avaliação em saúde.
POPULATION AGING AND THE HEALTH OF OLDER ADULTS IN BRAZIL
challenges and perspectives for primary health care
Abstract
Population aging is a global phenomenon resulting from declining fertility and mortality rates and improved living conditions, with direct impacts on public health policies. In Brazil, this process is occurring at an accelerated pace, requiring the reorganization of social protection systems and the strengthening of Primary Health Care (PHC). This study analyzes the biological, socioeconomic, and cultural determinants of aging, with emphasis on the increasing prevalence of chronic noncommunicable diseases, which expand the demand for continuous care. It also addresses the impact of regional inequalities on the organization of services, particularly in regions with limited infrastructure. National and international models of care for older adults are compared, highlighting experiences from countries with consolidated networks and integrated intersectoral policies. The findings underscore the need to expand PHC coverage and problem-solving capacity, implement multidimensional assessment, enhance the value and training of formal caregivers, and expand home-based and long-term care services, ensuring healthy aging with equity and dignity.
Keywords: population aging; older adult health; primary care; public policies; health assessment.
ENVEJECIMIENTO POBLACIONAL Y SALUD DE LAS PERSONAS MAYORES EN BRASIL
retos y perspectivas para la atención primaria de salud
Resumen
El envejecimiento poblacional es un fenómeno global derivado de la reducción de las tasas de fecundidad y mortalidad, así como de la mejora de las condiciones de vida, con impactos directos en las políticas de salud pública. En Brasil, el proceso avanza rápidamente, lo que requiere la reorganización de los sistemas de protección social y el fortalecimiento de la Atención Primaria de Salud (APS). Este estudio analiza los determinantes biológicos, socioeconómicos y culturales del envejecimiento, con énfasis en la mayor prevalencia de enfermedades crónicas no transmisibles, que incrementan la demanda de atención continua. También aborda el impacto de las desigualdades regionales en la organización de los servicios, especialmente en regiones con menor infraestructura. Se comparan los modelos nacionales e internacionales de atención a las personas mayores, destacando las experiencias de países con redes consolidadas y políticas intersectoriales integradas. Los hallazgos refuerzan la necesidad de ampliar la cobertura y la resolución de la APS, implementar la evaluación multidimensional, reconocer el valor de los cuidadores formales y ampliar los servicios de atención domiciliaria y de larga duración, garantizando un envejecimiento saludable con equidad y dignidad.
Palabras clave: envejecimiento poblacional; salud del adulto mayor; atención primaria; políticas públicas; evaluación en salud.
1 Introdução
O envelhecimento populacional é um fenômeno global decorrente de avanços tecnológicos, conquistas sociais e melhorias nas condições de saúde, associado à transição demográfica caracterizada pela queda das taxas de fecundidade e mortalidade. Esse processo altera a estrutura etária e aumenta a proporção de pessoas com 60 anos ou mais, conforme indicam análises internacionais (WHO, 2021; OECD, 2023). Estimativas da Organização Mundial da Saúde apontam que, até 2050, o contingente de idosos ultrapassará dois bilhões, impondo desafios aos sistemas de saúde, previdência e assistência social (WHO, 2023).
No Brasil, o envelhecimento ocorre em ritmo acelerado, comprimindo em poucas décadas uma transição que, em países desenvolvidos, levou mais de um século. Dados históricos mostram que a expectativa de vida ao nascer passou de 45,5 anos em 1940 para 76,4 anos em 2024, com projeções de que, até 2070, 37% da população será idosa (IBGE, 2024). Estudos destacam que essa dinâmica implica aumento da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), sobrecarga nos sistemas de saúde e previdência, maior demanda por cuidados de longa duração e necessidade de reorganizar redes de atenção com foco na funcionalidade e autonomia (IPEA, 2023; Mrejen, 2023).
A Atenção Primária à Saúde (APS) é apontada como estratégica por atuar como porta de entrada preferencial e coordenadora do cuidado. O Estatuto da Pessoa Idosa (Brasil, 2003) e a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (Brasil, 2006) estabelecem diretrizes para um cuidado integral e longitudinal. No cenário internacional, a “Década do Envelhecimento Saudável 2021–2030”, proposta pela OMS, reforça a importância de modelos centrados na manutenção da capacidade funcional, prevenção da dependência e integração intersetorial (WHO, 2021; OPAS, 2022).
Os estudos revisados mostram que, no Brasil, desigualdades regionais influenciam diretamente a capacidade de resposta do sistema de saúde. Regiões com menor infraestrutura assistencial e oferta reduzida de serviços especializados, como Norte e Nordeste, enfrentam maiores barreiras de acesso, resultando em piores desfechos em saúde (Almeida et al., 2018; Santos ; Lima, 2021; Sousa; Pires, 2021).
Este artigo analisa os determinantes do envelhecimento no país, os desafios impostos pelo crescimento acelerado da população idosa e pela elevada carga de DCNT, bem como experiências nacionais e internacionais de modelos de cuidado. Destaca-se o papel central da APS e a necessidade de políticas públicas integradas que promovam o envelhecimento saudável, fortaleçam redes de atenção integral e garantam equidade e qualidade no cuidado à pessoa idosa.
2 Metodologia
O estudo é de natureza teórica, com delineamento exploratório, baseado em revisão integrativa da literatura, seguindo as etapas de Mendes, Silveira e Galvão (2008): formulação da pergunta de pesquisa, definição de critérios de inclusão e exclusão, seleção das fontes, categorização dos estudos, análise crítica e síntese dos resultados.
A questão norteadora foi: quais os principais desafios e estratégias da Atenção Primária à Saúde (APS) brasileira diante do envelhecimento populacional?
A busca foi realizada nas bases BVS, PubMed, Scopus e Web of Science, utilizando descritores DeCS/MeSH em português, inglês e espanhol. Foram incluídos artigos originais e revisões publicados entre 2015 e 2025, com foco na organização dos serviços de saúde para idosos no contexto da APS brasileira, excluindo-se estudos hospitalares, ensaios clínicos e trabalhos exclusivamente teóricos.
Os dados foram organizados em categorias temáticas e analisados à luz das políticas públicas voltadas ao envelhecimento, complementados por diretrizes e documentos de referência, como o Estatuto da Pessoa Idosa (BRASIL, 2003), o Caderno de Atenção Básica nº 19 (BRASIL, 2006), o Relatório Mundial sobre Envelhecimento e Saúde (OMS, 2015), além de informações atualizadas do IBGE, IPEA, Ministério da Saúde e OPAS. Ao final, apresenta-se um comparativo internacional de políticas de atenção à pessoa idosa, elaborado com base nesses documentos e em evidências científicas recentes.
3 Resultados e Discussão
A busca sistemática identificou 420 estudos, dos quais 43 atenderam aos critérios de inclusão e compuseram esta revisão integrativa, abrangendo publicações de 2015 a 2025. Os trabalhos foram organizados em três eixos: (1) desafios e barreiras no cuidado ao idoso; (2) estratégias e intervenções eficazes; e (3) tendências de inovação e integração de serviços.
Quadro 1 – Estudos incluídos na revisão integrativa
|
Autor/Ano |
Tipo de estudo |
Principais achados |
1 |
Camarano et al. (2015) |
Observacional |
Analisou o envelhecimento demográfico no Brasil e suas implicações regionais. |
2 |
Lima-Costa et al. (2016) |
Transversal |
Fatores sociais e região de residência influenciam funcionalidade e acesso à APS. |
3 |
Mendes et al. (2017) |
Qualitativo sobre políticas |
Avaliação multidimensional na APS, destacando dificuldades em áreas com menor infraestrutura. |
4 |
Silva ; Souza (2017) |
Estudo de caso |
Experiências de municípios do interior na organização da linha de cuidado ao idoso. |
5 |
Almeida et al. (2018) |
Transversal |
Barreiras socioeconômicas dificultam adesão a cuidados preventivos. |
6 |
Almeida ; Reis (2018) |
Transversal |
Condições de moradia elevam risco de acidentes domésticos. |
7 |
Farias et al. (2018) |
Ensaio clínico |
Suplementação nutricional melhora condições de idosos frágeis. |
8 |
Lima ; Oliveira (2018) |
Revisão integrativa |
Estratégias para promoção da autonomia funcional. |
9 |
Monteiro ; Lopes (2018) |
Revisão sistemática |
Efetividade de programas de saúde bucal em idosos. |
10 |
Oliveira et al. (2018) |
Transversal |
Condições socioeconômicas determinam fragilidade. |
11 |
Teixeira et al. (2018) |
Observacional |
Relação entre polifarmácia e quedas em idosos. |
12 |
Cardoso et al. (2019) |
Qualitativo |
Percepção dos idosos sobre envelhecimento saudável. |
13 |
Carvalho et al. (2019) |
Transversal |
Prevalência de fragilidade física em áreas urbanas. |
14 |
Lima et al. (2019) |
Revisão narrativa |
Modelos intersetoriais para envelhecimento saudável. |
15 |
Ribeiro ; Costa (2019) |
Estudo de caso múltiplo |
Boas práticas em centros-dia para idosos. |
16 |
Rocha et al. (2019) |
Quase-experimental |
Grupos de apoio psicossocial melhoram indicadores de saúde. |
17 |
Rodrigues et al. (2019) |
Ensaio comunitário |
Exercícios físicos reduzem fragilidade. |
18 |
Santos et al. (2019) |
Transversal |
Fatores de risco para quedas em idosos. |
19 |
Barbosa ; Silva (2020) |
Qualitativo |
Desafios na formação de cuidadores formais. |
20 |
Fernandes et al. (2020) |
Longitudinal |
Programas de autocuidado apoiado beneficiam idosos com DCNT. |
21 |
Ferreira et al. (2020) |
Qualitativo |
Experiência da ESF no cuidado ao idoso. |
22 |
Gomes et al. (2020) |
Transversal |
Uso de tecnologias digitais no autocuidado de idosos. |
23 |
Moreira et al. (2020) |
Qualitativo |
Experiências com telemonitoramento. |
24 |
Paiva et al. (2020) |
Quase-experimental |
Fisioterapia domiciliar melhora funcionalidade de idosos frágeis. |
25 |
Pereira et al. (2020) |
Revisão sistemática |
Atenção domiciliar favorece autonomia funcional. |
26 |
Lopes et al. (2021) |
Observacional |
Desigualdades regionais na cobertura vacinal do idoso. |
27 |
Barbosa et al. (2021) |
Ensaio comunitário |
Atividade física reduz internações hospitalares. |
28 |
Marques et al. (2021) |
Estudo misto |
Participação comunitária em programas de envelhecimento ativo. |
29 |
Matos et al. (2021) |
Observacional |
Redes de apoio social melhoram qualidade de vida. |
30 |
Santos ; Lima (2021) |
Qualitativo |
APS enfrenta desafios de acesso e integração de serviços. |
31 |
Sousa ; Pires (2021) |
Coorte |
Apoio social impacta envelhecimento saudável. |
32 |
Batista et al. (2022) |
Estudo misto |
Implementação da linha de cuidado do idoso na APS. |
33 |
Costa et al. (2022) |
Observacional |
Acesso desigual à APS entre áreas urbanas e rurais. |
34 |
Dantas et al. (2022) |
Observacional |
Isolamento social correlaciona-se à depressão. |
35 |
Fonseca et al. (2022) |
Estudo de caso |
Gestão de caso em idosos dependentes. |
36 |
Melo ; Castro (2022) |
Revisão integrativa |
Ações educativas na APS para manejo de doenças crônicas. |
37 |
Pimentel et al. (2022) |
Revisão narrativa |
Tendências internacionais no cuidado prolongado. |
38 |
Rocha ; Almeida (2022) |
Coorte |
Avaliação multidimensional na APS. |
39 |
Silva et al. (2022) |
Observacional |
Envelhecimento aumenta DCNT e demanda por cuidados domiciliares. |
40 |
Peroni et al. (2023) |
Avaliação de serviços |
Desigualdades no acesso a centros-dia e de convivência. |
41 |
Faria et al. (2024) |
Análise demográfica |
Disparidades regionais no Índice de Envelhecimento Populacional. |
42 |
Jaccoud (2024) |
Analítico de políticas públicas |
Alta prevalência de isolamento social e falhas de integração entre saúde e assistência social. |
43 |
Sousa et al. (2025) |
Qualitativo multicêntrico |
Impacto da dependência funcional na saúde mental e no acesso ao cuidado. |
Fonte: Elaboração própria.
Os resultados indicam que, apesar de um arcabouço normativo sólido, como o Estatuto da Pessoa Idosa e a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, persistem desigualdades regionais significativas no envelhecimento e no acesso aos serviços de saúde. Dados sobre o Índice de Envelhecimento Populacional, o isolamento social e a cobertura de serviços de longa permanência evidenciam disparidades territoriais que reforçam a necessidade de políticas articuladas e adaptadas às diferentes realidades locais.
Além disso, a experiência da dependência funcional e seu impacto na saúde mental variam entre regiões, revelando a influência de fatores sociais e estruturais.
Em contrapartida, iniciativas como centros-dia, programas de exercício físico e telemonitoramento demonstram potencial para aprimorar as políticas públicas e fortalecer a rede de atenção integral à saúde da pessoa idosa.
3.1 Envelhecimento Populacional no Brasil: Determinantes e Cenário Atual
O envelhecimento populacional no Brasil avança mais rapidamente que em países desenvolvidos. Enquanto a França levou 140 anos para dobrar sua população idosa, o Brasil realizará essa transição em apenas 25 anos (Mrejen, 2023; Camarano; Kanso; Fernandes, 2014). Essa aceleração está associada a melhorias nos indicadores sociais, avanços em saneamento, imunização, acesso a medicamentos essenciais e ampliação da cobertura da Atenção Primária à Saúde – APS (Mendes, 2021; Pereira et al., 2020).
Dados do IBGE (2024) indicam que a expectativa de vida atingiu 76,4 anos em 2023 e deve alcançar 81,2 anos até 2060. A proporção de pessoas com 60 anos ou mais representa 15,1% da população e pode chegar a 37% em 2070. Contudo, a longevidade não se traduz, necessariamente, em melhor qualidade de vida: grande parte dos idosos convive com doenças crônicas, limitações funcionais e barreiras de acesso aos serviços (Almeida et al., 2018; Rodrigues et al., 2019; Gomes et al., 2020).
Persistem desigualdades regionais: Norte e Nordeste, como o Amapá, apresentam população mais jovem, mas infraestrutura de saúde insuficiente (IBGE, 2023). Sul e Sudeste concentram maior número de idosos, oferta de serviços especializados e programas preventivos (Santos ; Lima, 2021; Sousa ; Pires, 2021). A carga de doenças crônicas não transmissíveis – DCNT continua crescente, especialmente cardiovasculares, musculoesqueléticas, neurológicas e metabólicas (Menezes; Moretti; Reis, 2020), comprometendo a autonomia funcional e ampliando a demanda por cuidado domiciliar e apoio social (Paiva et al., 2020; Fonseca et al., 2022). Mesmo com avanços, como a Estratégia Saúde da Família, persistem barreiras estruturais e sociais que dificultam a equidade e a integralidade do cuidado.
3.2 Envelhecimento Saudável e Políticas de Atenção à Pessoa Idosa
O conceito de envelhecimento saudável da OMS (WHO, 2015) influenciou a formulação de políticas no Brasil, incorporado pelo Estatuto da Pessoa Idosa (Brasil, 2003) e pela Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa – PNSPI (Brasil, 2006), que reconhecem a APS como eixo do cuidado integral e contínuo.
Evidências indicam avanços com a Estratégia Saúde da Família no acompanhamento de condições crônicas e promoção da funcionalidade, principalmente quando associada à avaliação multidimensional e ao autocuidado apoiado (Pereira et al., 2020; Melo ; Castro, 2022). Programas de atividade física (Barbosa et al., 2021), fisioterapia domiciliar (Paiva et al., 2020) e telemonitoramento (Moreira et al., 2020) demonstraram impacto positivo na prevenção de incapacidades e na qualidade de vida.
Ainda assim, o rastreamento funcional não é homogêneo, dificultando a detecção precoce da fragilidade (Gonçalves et al., 2021). A formação e valorização de cuidadores formais é insuficiente, sobrecarregando cuidadores familiares (Barbosa; Silva, 2020). A “Década do Envelhecimento Saudável 2021–2030” (OPAS, 2022) propõe combater o preconceito etário, criar ambientes amigáveis, oferecer cuidados integrados e garantir acesso a serviços de longa duração. No Brasil, há iniciativas alinhadas, como centros-dia (Ribeiro ; Costa, 2019), linhas de cuidado na APS (Batista et al., 2022) e integração saúde–assistência social (Fonseca et al., 2022), mas sua implementação é desigual.
3.3. Desafios da Dependência Funcional e Organização dos Cuidados
Apesar dos avanços, muitos idosos apresentam limitações funcionais relevantes. Em 2007, 5% das pessoas com 60 anos tinham limitações para atividades da vida diária, proporção que chegava a 50% entre os maiores de 90 anos. Em 2022, o IBGE registrou 34% de idosos com dificuldades para atividades básicas ou instrumentais.
Três desafios centrais são identificados: sobrecarga de cuidadores informais (Ba; rbosaSilva, 2020; Fonseca et al., 2022); oferta insuficiente de serviços de longa permanência e apoio domiciliar (Ribeiro; Costa, 2019); e integração intersetorial e avaliação multidimensional ainda limitadas (Pereira et al., 2020; Melo; Castro, 2022).
Intervenções como fisioterapia domiciliar (Paiva et al., 2020), exercício físico em grupo (Barbosa et al., 2021) e tecnologias de monitoramento remoto (Moreira et al., 2020) apresentam bons resultados, mas são aplicadas de forma pontual. A resposta exige ampliar a formação de cuidadores formais, expandir serviços de apoio e consolidar a avaliação multidimensional na APS.
3.4 Experiências Internacionais e Comparativo de Políticas
Todos os países analisados possuem políticas nacionais para idosos, reconhecendo o envelhecimento como desafio estratégico. No Brasil, a PNSPI foi instituída em 2006, mas Japão, Suécia e Canadá possuem tradição mais consolidada, com modelos descentralizados e integrados (Brasil, 2006; WHO, 2021).
A diretriz do envelhecimento ativo é comum, mas sua aplicação é mais robusta no Japão e na Suécia, com forte investimento em prevenção e apoio comunitário (WHO, 2002; WHO, 2021). No Brasil, lacunas na execução de programas integrados comprometem a sustentabilidade (Mendes, 2021; OPAS, 2022).
Sistemas de longa permanência são amplos e públicos em Japão, Suécia e Canadá, enquanto no Brasil o modelo é incipiente e concentrado no setor filantrópico ou privado (OECD, 2022; OECD, 2024). A oferta de cuidadores formais é elevada no Japão e na Suécia, intermediária no Canadá e insuficiente no Brasil, gerando sobrecarga familiar (OECD, 2024; WHO, 2021). A cobertura da APS para idosos é de 95% no Japão, 90% na Suécia, 88% no Canadá e 65% no Brasil (OECD, 2022; Brasil, 2006).
4 Considerações Finais
Esta revisão integrativa, evidencia que, apesar de avanços normativos e da ampliação da cobertura e acesso aos serviços de saúde, persistem barreiras estruturais e desigualdades regionais que limitam a efetividade das ações voltadas à população idosa no Brasil. A implementação de políticas como o Estatuto da Pessoa Idosa e a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa representa um marco importante, porém sua aplicação ainda é heterogênea e insuficiente em muitas regiões, especialmente nas que apresentam menor infraestrutura e capacidade de resposta.
As experiências positivas identificadas — programas de atividade física, fisioterapia domiciliar, telemonitoramento, avaliação multidimensional e centros-dia — mostraram impacto real na preservação da funcionalidade, autonomia e bem-estar. No entanto, a abrangência dessas iniciativas permanece restrita, com distribuição desigual no território, reduzindo o potencial de transformação em escala nacional.
A consolidação de um modelo integral de atenção à pessoa idosa exige integração efetiva entre saúde, assistência social e previdência, sustentada por planejamento estratégico baseado em evidências epidemiológicas, financiamento contínuo e estável e qualificação permanente de equipes multiprofissionais. É fundamental adotar abordagens centradas na funcionalidade, autonomia, dignidade e participação social, articulando estratégias intersetoriais que favoreçam a equidade e a continuidade do cuidado.
O envelhecimento populacional acelerado deve ser visto não apenas como um desafio, mas como uma oportunidade para fortalecer redes de cuidado integral, promover ambientes favoráveis à longevidade e assegurar que o aumento da expectativa de vida se traduza em qualidade de vida. Para isso, políticas públicas precisam ser robustas, efetivamente implementadas e sensíveis às especificidades regionais, garantindo que cada idoso no Brasil tenha acesso a cuidados adequados, seguros e humanizados, independentemente do território onde vive.
Referências
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